5.10.09

Crónica das poças do chão.

Hoje passei a pé na rua da mercearia, a Sá Carneiro, sem primeiro nome que me venha à memória e, consequentemente, sem homenagem que eu lhe consiga associar, que ao poeta e ao político, para os que me seguem a ideia sem se perderem, ainda os separam uns anitos.
Quando era miúdo, ainda na idade dos suspensórios vermelhos e das converse all-star a menos de dois contos, adorava andar à chuva, só e apenas porque, quando o céu se largava a chorar, o chão ficava cheio de poças.
Das tardes de Outono, todas tão iguais, só me aborrecia vê-las ficarem mais curtas a cada dia. O alcatrão, como é óbvio para quem tem cinco ou seis anos, era para as estradas, os baldios de pó e o recreio da escola nunca, em circunstância alguma, corriam o risco de ser transformados numa estrada, ninguém cometeria tal crime, ninguém se atreveria a destruir o mundo interminável que eram aquelas poças de lama, cheias de canais entre si, cavados com a biqueira do sapato ou com uma pedra roubada à calçada.
Enganei-me bem e, como se fosse de propósito, quando resolvi passar à Sá Carneiro, aos lugares que testemunharam todas as asneiras que disfarcei com uma mestria que se vai perdendo com a idade, a chuva resolveu cair lá de cima, só para me mostrar a facilidade com que alcatroaram a minha melhor infância. Crescemos para longe do chão como quem se afasta de uma boa recordação, daquelas que tão facilmente nos arrancam um sorriso saudosista, como nos enchem de uma melancolia tristonha. Talvez seja por isso que os crescidos vão deixando de gostar da chuva.

Um comentário:

  1. Adorei a crónica. É pena que à medida que crescemos nos vão censurando a vontade de nos sujarmos. Ahah. =)

    ResponderExcluir